segunda-feira, 9 de junho de 2008

José...


E agora José?

A festa acabou,

a luz apagou,

o povo sumiu,

a noite esfriou,

e agora, José?

E agora, você?

Você que é sem nome,

que zomba dos outros,

que ama, protesta?

e agora, José?

Está sem mulher,

Está sem discurso,

Está sem carinho,

Já não pode beber,

já não pode fumar,

cuspir já não pode,

a noite esfriou,

o dia não veio,

o bonde não veio,

não veio a utopia

e tudo acabou

e tudo fugiu

e tudo mofou,

e agora, José?

E agora, José?

sua doce palavra,

seu instante de febre,

sua gula e jejum,

sua biblioteca,

sua lavra de ouro,

seu terno de vidro,

sua incoerência,

seu ódio, - e agora?

com a chave na mão

quer abrir a porta,

quer morrer no mar,

mas o mar secou;

quer ir para Minas,

Minas não há mais.

José, e agora?

Se você gritasse,

se você gemesse,

se você tocasse,

a valsa vienense,

se você dormisse,

se você cansasse,

se você morresse...

mas você não morre,

você é duro, José

Sozinho no escuro

qual bicho- do- mato,

sem teogonia,

sem parede nua

para se encostar,

sem cavalo preto

que fuja do galope,

você marcha, José!

José, para onde?

( Carlos Drumond Andrade )

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